quarta-feira, 7 de julho de 2010

Texto do dia: Mutare


Mudança. Mudar: do latim mutare, mudar, modificar. Tudo está sempre mudando. O semáforo muda de cor de tempos em tempos. Coisas e pessoas estão sempre mudando de lugar. A água que passou por baixo de uma ponte não é a mesma que passa ali no segundo seguinte. E mudar nem sempre é fácil. Às vezes são necessários anos para que um regato de água consiga mover uma pedra do lugar. Ou para que um conto fique pronto. Ou para aperfeiçoar um prato. E mudar muitas das vezes pode ser doloroso. Mas é necessário sempre mudar. Sempre. Por mais que seja difícil, que não vamos dar conta, que não adiantará muita coisa, precisamos estar em constante mudança. E não pelo outros, mas por nós. Só sentimos realmente a mudança quando queremos mudar. E o pior que algumas vezes somos iguais os casulos de borboleta: temos de mudar sozinhos. Se alguém tentar ajudar, podemos sair machucados. Mude. Corte o cabelo de um jeito diferente. Mude a disposição dos móveis do seu quarto. Leia um livro diferente. Ande por um caminho diferente. Mude sua opinião. Mesmo que a mudança seja pequena, é melhor do que ficar parado. E quem fica parado cria raízes. Não deixe as suas ficarem muito fundas.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Crônica do dia - Do Pó

Aos poucos as palavras foram se emudecendo, os lábios se trancando, os pensamentos se confinando nos labirintos da mente e da miséria. A pobreza os atingia de todos os lados, de um modo indescritível e perceptível. Rodeava, serpenteava entre eles. E unia os dois sem mesmo dizerem uma palavra. O emudecimento era o elo. O elo que os unia as pessoas daquele lugar esquecido por Ele. As ruas de terra refletiam o pó na face das crianças. As suas pipas, feitas de papelão, mal subiam com o vento que espalhava a poeira. Os velhos, sentados de dois ou três no botecos, proseando calmamente, não tinham nem mais vida nem cor. Seus cabelos brancos, escondidos por chapéus, não tinham mais sabor, assim como seus copos e pratos. Uma sirene de polícia. O susto. O olhar assustado dos moradores. E a volta. A calma. Todos ali sabiam que isso era normal. Que sempre estivera ali e sempre estará. E os corações de todos continuavam a pulsar, mesmo que sem seiva para isso. Contraídos. Concisos. Sem comida, sem água, só com o pão do infortúnio. Uma senhora empurrava um carrinho de lixo, com uma criança enrolada em panos gastos. E o bebê não chorava, não sorria, só existia dentro daquele mundo sujo. Pelo menos existia. E tudo isso ficava gravado nas suas cabeças, assim como nas fotos que tiravam. Sabiam que aquelas imagens seriam fixadas na mente por anos e que não podiam fazer nada para que isso mudasse. A impotência. A incapacidade de ajudar aquelas pessoas. Uma batida. Duas batidas. Uma menina no vidro do carro, falando ”tio, tem um trocado?”. E as lágrimas nos olhos, não dela, mas nos deles. E a menina se afastava, descalça. Levantando poeira, correndo, feliz, acostumava com a misera vida que o Deus da poeira lhe dera.