terça-feira, 6 de julho de 2010

Crônica do dia - Do Pó

Aos poucos as palavras foram se emudecendo, os lábios se trancando, os pensamentos se confinando nos labirintos da mente e da miséria. A pobreza os atingia de todos os lados, de um modo indescritível e perceptível. Rodeava, serpenteava entre eles. E unia os dois sem mesmo dizerem uma palavra. O emudecimento era o elo. O elo que os unia as pessoas daquele lugar esquecido por Ele. As ruas de terra refletiam o pó na face das crianças. As suas pipas, feitas de papelão, mal subiam com o vento que espalhava a poeira. Os velhos, sentados de dois ou três no botecos, proseando calmamente, não tinham nem mais vida nem cor. Seus cabelos brancos, escondidos por chapéus, não tinham mais sabor, assim como seus copos e pratos. Uma sirene de polícia. O susto. O olhar assustado dos moradores. E a volta. A calma. Todos ali sabiam que isso era normal. Que sempre estivera ali e sempre estará. E os corações de todos continuavam a pulsar, mesmo que sem seiva para isso. Contraídos. Concisos. Sem comida, sem água, só com o pão do infortúnio. Uma senhora empurrava um carrinho de lixo, com uma criança enrolada em panos gastos. E o bebê não chorava, não sorria, só existia dentro daquele mundo sujo. Pelo menos existia. E tudo isso ficava gravado nas suas cabeças, assim como nas fotos que tiravam. Sabiam que aquelas imagens seriam fixadas na mente por anos e que não podiam fazer nada para que isso mudasse. A impotência. A incapacidade de ajudar aquelas pessoas. Uma batida. Duas batidas. Uma menina no vidro do carro, falando ”tio, tem um trocado?”. E as lágrimas nos olhos, não dela, mas nos deles. E a menina se afastava, descalça. Levantando poeira, correndo, feliz, acostumava com a misera vida que o Deus da poeira lhe dera.

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